sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Ângulo

Foram diversos os acontecimentos corriqueiros que me fizeram hoje estar por aqui, e a maioria acontecida agora cedo mesmo.
Em meu penúltimo estágio do curso, optativo, estou passando com um grupo de internato do semestre anterior ao meu, na seção de emergência do hospital, grupo este composto exclusivamente por meninas, cerca de 10 delas. Após 3 semanas de convívio diário, foi apenas hoje, em meu último dia com o grupo, que me entretive em uma conversa mais intimista, quando falavam entre si sobre seus relacionamentos. E então foram, naturalmente, surgindo as esquisitices particulares das relações humanas que envolvem, além do coito, o, mais complexo talvez, convívio diário, em tom de conversa de bar. Ulteriormente foram destacados  pontos outros, corriqueiros, porém de grande peso ideológico, na conversa: a figura do homem, crenças e rituais religiosos, concepção de família, e mais destes que embasam os maiores tormentos da psique humana desde os mais remotos e documentados tempos. As peremptórias chagas da mente humana, residentes ainda hoje, na era da revolução das micro-partículas. Enfim, estava com uma amostra não estatisticamente significante de adultas jovens de classe alta do começo do século XXI, quando ouço uma voz comentar do fatídico dia em que teve de rachar a conta no restaurante, com seu ficante do dia, quando outras vozes assumiram o recinto com comentários irônicos e risadas de deboche. Outra voz, com tom de incredulidade, afirmava ser o fim dos tempos, ter de pagar conta no primeiro encontro. O professor, na casa dos 30 anos, já casado, terminando de preencher uma prescrição, falou algo sobre o machismo feminino, que foi logo desprezado por aqueles ouvidos adornados com brilhantes. Eu só a escutar, já me inchando, desconfortável, deglutindo palavras. Outra dondoca(gosto de chamá-las assim), disse de sua criação, onde o homem é o chefe da família, e que não conseguia ver de outra forma(estou usando as palavras que lhe saíram da boca, maestrada por pares cranianos de um encéfalo carreador de genes caprichosamente selecionados em bilhões de anos), como se se defendendo de maneira imparcial, vitimizante, dos ideais meritocráticos que se destacam no contemporâneo. Quando terminou sua defensiva, várias outras delas, as dondocas, argumentaram em favor, dizendo uma safadinha, ainda, que tinha o homem como imagem de o provedor da casa, pra pagar a escola das crianças, as despesas do lar(provavelmente um adorável e puritano lar cristão, despido de mágoas e outras fatalidades inerentes aos resquiciosos desejos do instinto). Foi quando mudou-se o assunto, já que a dondoca do meu lado estava preocupada em perder o carnaval do ano subseqüente por conta de plantões na enfermaria(paradoxais, classificaria os recentes últimos minutos).
Aproveitando brecha, uma Barbie orgânica iniciou receoso sentimento para com a semana santa, a qual gostaria de passar em companhia da família, e não preenchendo plantões de enfermaria. Inclusive porque esta era uma data muito importante para toda a família, que se reunia, ia à missa, e no domingo, felizes comemoravam o milagre de seu Messias. Porém, em meio a tanta alegria, não pôde deixar de reclamar de sua última promessa de quaresma, quando ficou 40 dias sem comer doces. Ela havia quase chegado à loucura, desesperada, já que, em sua ânsia maior, não podia de forma alguma(?) comer os doces. Foi quando, então, dando de desentendido, comecei a perguntar o motivo dos 40 dias de sacrifício, que me foi explicado pelas presentes. Abstenção de um prezado prazer como sacrifício, durante a quaresma, como representação(um tanto quanto mais sutil, só dizendo) da piedade por seu Messias.
Enfim, dos fatos de destaque perturbador em minha mente cotidiana matinal, creio serem estes os de maior.
Pra finalizar, algo outro que me foi colapsante ocorreu quando em casa, em meu computador, no horário de almoço. Li, em um site feminista, um texto de crítica a uma empresa de sapatos femininos que está gerando polêmica na internet. A razão é que usaram, em suas propagandas de dia das crianças, uma rebenta de 3 anos, usando calcinha, sapatos tamanho adulto, colar de pérolas e batom vermelho assumindo posições hiperssexualizadas, inclusive com gestos provocativos como olhares e biquinho com a boca. Vendo as fotos, algumas críticas e outras justificativas por parte da mãe da pré-escolar, dei por mim sem posição alguma, por não ter acesso, sinceramente, a embasamento algum do qual partir em meu estoque particular de ideologias. Talvez o infinito particular precise de algum tipo de dimensão, não perceptível por ele mesmo, em sua infindável magnitude, para atingir pareceres, mesmo maleáveis, quanto a fatos consumados por parte dos mais limitados conjuntos neuronais pensantes.
Estou ainda a achar a parte que me cabe nesta loucura toda, grande brincadeira macabra do acaso em seus mais inspirados estados.

"Pro caso de o acaso estar num bom dia
pro caso de o destino me haver reservado a alegria
E o meu fado estar fadado a ser sua sina

Eu vivo a sorrir, eu vivo a sorrir
Pro caso de você errar a vereda
e acertar o elevador
Pro caso de o acaso estar inspirado
E emaranhar, por capricho, tempo e espaço
Cruzando as nossas linhas soltas num laço"


Ribeirão Preto, 23:28;